Justiça proíbe cultos em condomínios. Seria o fim das células?
A medida foi motivada por reclamações de vizinhos devido ao barulho excessivo e ao fluxo intenso de pessoas e carros. Pastores e magistrados comentam

A Justiça do Distrito Federal proibiu a realização de cultos em áreas comuns de condomínios residenciais, decisão que tem gerado debates sobre o equilíbrio entre a liberdade religiosa e o direito ao sossego dos moradores. A medida foi motivada por reclamações de vizinhos devido ao barulho excessivo e ao fluxo intenso de pessoas e carros, que, segundo o tribunal, desvirtuam a finalidade residencial do imóvel.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) destacou que o direito à liberdade de crença e culto religioso não é absoluto e precisa ser harmonizado com os direitos dos demais moradores. A norma interna do condomínio e a convenção condominial foram consideradas instrumentos essenciais para manter a ordem e a paz entre os condôminos.
Para a advogada Carla Rodrigues, que atua no campo do direito cristão, a decisão está alinhada com os princípios constitucionais ao preservar o sossego e a segurança da coletividade.
“O direito fundamental à liberdade de crença e culto religioso não pode prevalecer em detrimento dos direitos dos demais membros da coletividade”, explicou. Ela ressaltou que o uso do imóvel como templo deve respeitar as regras internas e que a Justiça pode impor limites para evitar excessos, sem proibir a prática religiosa pacífica.
O reverendo Ítalo Reis, pastor da 1ª Igreja Presbiteriana do Natal (RN), analisou o tema sob a ótica bíblica e da adoração. “A adoração é um conceito muito mais amplo do que alguns imaginam. Tudo que amamos, confiamos e obedecemos pode se tornar um ídolo”, disse. Ele frisou que, ao usar um espaço coletivo, cristãos devem agir com amor ao próximo e respeito às normas, evitando perturbações que prejudiquem a convivência.
“Se os cristãos agirem assim, haverá mais paz nos condomínios, pois somos o povo que vive a paz do Senhor”, afirmou Ítalo Reis. Para ele, a decisão judicial favorece o equilíbrio entre diferentes formas de religiosidade e a ordem social.
“É incoerência permitir uma balada no espaço de eventos e negar a realização de uma missa ou culto protestante”, observou, defendendo que o bom senso deve nortear o uso desses espaços.
Liderança evangélica
Bruno Jannuzzi, da Comunidade Evangélica Jesus Vive, no Rio de Janeiro, manifestou concordância com a decisão. “Não vejo equívoco na decisão. Se existe perturbação da ordem em qualquer esfera, a lei deve ser cumprida”, ressaltou. Em sua opinião, o problema está na liderança evangélica que não orienta os fiéis a respeitarem a convivência e as regras locais.
“Isso caracteriza um mau testemunho, pois como falar do amor de Cristo se gera perturbação e descumprimento da lei com barulho?”, questionou Bruno Jannuzzi. Ele acrescentou que o respeito às normas vale para todas as manifestações, sejam religiosas ou culturais, como festas ou eventos musicais, sem distinção.
O pastor Antonio Targino, da IBCIDADE em Natal (RN), reforçou a ideia de que a Constituição Brasileira assegura a liberdade de crença e culto, mas que nenhum direito pode ser exercido de forma absoluta. “O poder da Justiça se estende até o ponto em que o exercício de um direito individual afete direitos coletivos, como o sossego e a segurança da comunidade”, explicou.
Segundo Antonio Targino, a decisão judicial tenta preservar a convivência pacífica nos condomínios e evitar incômodos recorrentes. “Ela fortalece a ordem ao reforçar que regras comuns devem ser respeitadas por todos”, avaliou. O pastor também alertou para o cuidado necessário para que essa proteção não se torne um instrumento de intolerância contra manifestações religiosas pacíficas.
Espaços coletivos
A controvérsia reflete um desafio crescente nas grandes cidades brasileiras, onde o uso dos espaços coletivos exige o equilíbrio entre direitos individuais e coletivos. Moradores de condomínios frequentemente recorrem à Justiça para resolver conflitos relacionados a barulho, festas e atividades religiosas.
O TJDFT apontou que, no caso analisado, o volume médio registrado era de 68 decibéis durante o dia, acima do limite legal de 40 decibéis, além de registrar fluxo intenso de pessoas e uso formal do endereço como igreja. Essa situação configurou violação à convenção condominial e ao estatuto da associação de moradores.
A advogada Carla Rodrigues destacou que a decisão reforça a paz condominial e a segurança jurídica. “A fé é protegida, mas em condomínios residenciais deve ser exercida sem descaracterizar o imóvel e respeitando as regras internas”, disse. Para ela, o foco está na proteção da boa convivência, não na restrição à religião.
O reverendo Ítalo Reis também fez questão de ressaltar a importância da obediência às autoridades constituídas, que ele considera um ensinamento bíblico fundamental. “Os cristãos devem se submeter a autoridades e regras do condomínio, pois elas foram constituídas por Deus”, afirmou.
Além disso, ele defende que o uso dos espaços coletivos pelos cristãos deve ser ainda mais rigoroso, com atitudes generosas e de cuidado, como deixar os ambientes mais limpos e organizados do que antes. “Esses são atos de virtude cristã e aplicação direta da lógica da cruz na vida cotidiana”, disse o pastor presbiteriano.
Liberdade e direito
A decisão judicial gerou repercussão entre moradores e líderes religiosos, que debatem os limites entre liberdade religiosa e direito ao sossego. Especialistas afirmam que o equilíbrio deve ser buscado com diálogo e respeito, evitando que disputas ganhem contornos de intolerância.
Com a pluralidade religiosa em crescimento no Brasil, o tema exige reflexão sobre convivência e respeito mútuo. A proteção à liberdade de culto é essencial, mas o convívio pacífico em ambientes coletivos deve ser garantido para todos, segundo as normas vigentes.
A Justiça reafirma que o exercício da fé deve ocorrer dentro dos limites da lei, sem comprometer a tranquilidade e a segurança da comunidade onde os cultos são realizados. O caso serve como alerta para que todos busquem o equilíbrio entre direitos e deveres.
Fonte: Comunhão
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